domingo, junho 15, 2008

Mon Animal

Sensacional, texto de Elisa Lucinda por Ana Carolina. Auto explicativo.

"Eu a vejo quase todas as manhãs
Não é exatamente bonita. Aliás, ela é de uma feiura estranha, como se carregasse uma boniteza espalhada em si, nos gestos, e não nos traços exatamente.
Não importa. Importa, que a vejo acompanhada perenemente do seu cão, um pastor alemão com cara de bom companheiro, e é, eu vejo. Encaixa o seu focinho nos joelhos dela, brinca com ela, grune querendo dengo..E ela também, essa minha vizinha, brinca de não-solidão com esse cachorro específico, gosta dele, e "Não duke, assim não Duke, deixa o moço, Duke me espera, não vai assim na minha frente, cuidado com o carro". Ele a olha como quem agradece e vão os dois, não em vão, pelas ruas de Copacabana sobre o sol, felizes que só vendo. Eu vejo. Ela é camelô. Nos encontramos no elevador e eu:- "Vocês se divertem tanto, é tão bonito."- "É, nos conhecemos na rua né. Ele olhou pra mim assim bem nos meus olhos, eu tava trabalhando, vi logo que ele era um cão bem cuidado mas faltava carinho. O elevador apertadíssimo, e ela continuou falando:"Eu tenho certeza que ele é de câncer. Mas é muito sensível, só falta falar, né Duke? Ele não é lindo?Eu disse: - "Lindíssimo. E você que signo é?"- "Ah, minha filha, eu sou de capricórnio, né, Janeiro né.. mas com ascendente em câncer. Combina, combina sim. Eu vejo o Duke lambendo as mãos dela, magras mãos, cujos dedos ela oferecia de propósito distraídamente a mordida dele. Eu olhei, admirando receosa, por conta dos afiados dentes porque eu quase não entendo de cão. E ela:- "Você tem medo hein? hum. Não se ofenda, o Duke entende tuuudo. Não gostou do que você pensou, jamais me morderia, jamais me trairia, né Duke?" Senti o pensamento de Duke latindo que jamais a trairia. Achei bonito. Chegamos:- "Tchau"- "Bom trabalho, tchau Duke."Fui pra rua pensando longamente nos dois. Ao final da tarde, avistei pela janela Duke e Angela indo pelo crepúsculo na praia. Vi os dois voltando sorridentes e caninos sobre a noite estrelada. Ela com fitas de vídeo penduradas ao braço sempre conversando com ele. Eu tenho inveja de Angela. O animal que eu quero não mora comigo, não almoça mais comigo, não brinca mais, não me telefona, não me adivinha o pensamento, não me acompanha ao crepúsculo, não grene querendo dengo, nossos signos parecem não mais combinar. O animal que eu quero pensa demais e por isso não passeia mais comigo. E o pior: Não me lambe mais. "

Nenhum comentário: