quinta-feira, setembro 04, 2008

"Ensaio sobre a cegueira"

Certo dia, comentei com uma amiga sobre meu astigmatismo que não me permitia distinguir um ponto de uma vírgula, uma vez que me faz enxergar tudo borrado... Então tive uma revelação... “se o que os olhos não vêem, o coração não sente”, será por isso que sempre me equivoco nos meus relacionamentos? Eureca!
Tomei um banho revigorante, coloquei a roupa mais alegre e fui para o centro da cidade andar por todas as óticas. Que maravilha, descobri o problema de meus relacionamentos não darem certo, estava ali a solução. De todas as cores, tamanhos, marcas, estilos. Nas vitrines, relacionamento chique, discreto, glamouroso, sério, sóbrio, espalhafatoso... pra todos os gostos. E lá estava ele, o cor de rosa... ah, La vie en rose, assim seria a minha a partir dali!
Muito animada e segura da minha felicidade, entro na ótica. O passaporte para a felicidade estava lá lindinho, moderninho, cheinho de charme me esperando. E a minha intermediária entre a terra e o paraíso se apresenta: “- Boa tarde, posso ajudar? – Ah sim, eu gostaria de ver aqueles óculos ali... o cor de rosa, por favor.” A arcanja, a mensageira, foi então buscar a minha felicidade, que estava agora muito próxima... Experimentei... uau, perfeito... “- E a lente? Vai fazer conosco? – Ah vou sim ! – Qual seu grau querida? – Ah, são 6,5 de miopia, e 5,0 de astigmatismo.”
Ela entrou, levou minha armação/promessa de felicidade e voltou com um papelzinho que continha a data em que os óculos ficariam prontos... voltei para casa ansiosa, contando os dias pra buscar meu futuro de felicidade. Finalmente iria passar a enxergar os pontos e diferenciá-los das vírgulas ...
Então, o dia chegou e lá fui eu, radiante, renovada, esperançosa. A mesma moça de antes me atendeu. Cheguei com um sorriso estampado, a voz embargada, ofegante, atropelando as palavras de tanta ansiedade: “- Oi, eu deixei meus óculos pra fazer aqui, vim buscar”. (Pronto, agora seria uma questão de segundos para que eu passasse a ver as coisas como elas são e não me enganasse nunca mais!).
A moça veio até mim com os óculos, desembrulhou-os de um paninho de feltro cinza, tirou dois adesivinhos que estavam em cada lente, limpou, conferiu a curvatura das perninhas, abertura, alinhamento... e finalmente, ai, finalmente me entregou. Coloquei os óculos cor de rosa, como queria que a minha vida passasse a ser. Que lindo!
Saí na rua e percebi que estava andando meio nas nuvens. Uau, devia ser o efeito da felicidade, de conhecer a verdade, de não errar mais. Deve ser assim a vida cor de rosa, como se pisássemos nas nuvens! Até que trombei com um senhor que passava entre duas outras pessoas numa rua apertada... e trombei em outro, andei em direção a uma banca de jornal à minha direita, quando na verdade tentava andar para a esquerda... percebi que o som das vozes das pessoas estava longe... e comecei a perder o equilíbrio. “Nossa, que embriaguez essa felicidade causa.” - Pensei. Os dias seguiram, mas a sensação de tonteira e falta de equilíbrio não passaram. Voltei ao Oftalmologista, que assegurou-me de que tudo estava muito bem com meus óculos/passagem para a felicidade.
E assim essa sensação perdurou por muitos meses, até que compreendi que na verdade ao usar os óculos eu ficava surda. Devido à uma total falta de coordenação dos sentidos, eu não escutava nada quando usava os óculos e ficava tonta, sem equilíbrio.
Então a realidade, que agora se tornara nítida, apenas me revelou mais um obstáculo na minha dura busca pela plenitude e aprendizado romântico: que mesmo mostrando pra um coração a verdade com nitidez, ele sempre dará um jeito de encará-la como quer...



Um comentário:

Nambu disse...

Noooossaaaa....
E nessas idas e vindas... descobri que o meu além de tudo...é manco!

ahahahaha

Quem é que tem domínio sobre tudo?
Mera ilusão dos acidentados...


bessos